A mediação como função facilitadora do diálogo, em seu objetivo de construção de acordo, deve servir à comunicação das partes em que a eficácia de resultados exige a devida negociação e, sobretudo, privilegie o bom senso. Essa foi a proposta do seu primeiro modelo clássico (tradicional linear) desenvolvido pelo antropólogo americano William Ury, na Harvard Law School, da Universidade de Harvard (EUA).
Desde quando surgida nos Estados Unidos há quarenta anos, a mediação como técnica de solução de litígios tem sido dinamizada por outros modelos, valendo-se referir os de Robert A. Baruch Bush e Joseph F. Folger (o da mediação transformativa) e o de Sara Cobb (o modelo circular-narrativo).
Importa dizer que teóricos da negociação e da comunicação buscaram e buscam construir novas viabilidades de uma decisão consensual do conflito, preponderando: (i) a superação do conflito, em sua integralidade; (ii) a recomposição dos significantes psicológicos e emocionais, legais e financeiros dos conflitantes; (iii) a reconstrução dos liames afetivos; (iv) o chamado empoderamento (empowerment) das partes em conflito, a significar que elas próprias decidam o conflito, com as soluções adequadas.
Ora bem. Agora, eis o estado da arte que a presente obra reflete em suas técnicas de mediação. Um estudo contributivo do melhor nível de eficiência oferecido para o emprego do instituto, em todas as suas áreas de atuação. Uma obra definitiva.
Carlos Eduardo de Vasconcelos demonstra, em sua pesquisa, acendrada de análises e boas reflexões, com a notável experiência entusiasta e profícua de jurista e de mediador, importante e necessária visão sistêmica em consecução dos elevados fins da mediação como um eficiente instrumento pacificador.
Mais precisamente: a exata dimensionalidade de sua obra, em nova edição, incide na capacidade construtiva de trabalhar o instituto da mediação, em uma moldura interdisciplinar psicojurídica, com arte e técnica indispensáveis ao processo de ponderação de interesses em conflito.
De efeito, surge o mediador, como um terceiro neutral, experiente e dialogal, indutor de entendimentos não prejudiciais, capaz, por força da sua intermediação, de solucionar, sem litígios, os termos de confronto, com a adequada formação de consensos. É certo dizer, como afirma o autor, “a solução transformadora do conflito depende do reconhecimento das diferenças e da identificação dos interesses comuns e contraditórios, subjacentes, pois a relação interpessoal funda-se em alguma expectativa, valor ou interesse comum”. De fato, esse reconhecimento opera a dissolução do conflito interpessoal por interconexões qualificadas entre os próprios mediandos, exercitando as compreensões suficientes de suas pretensões sem o viés das colidências desnecessárias.
Não há por que negar a atual importância fenomenológica da mediação como estado da arte e de técnica por ensejar, como acertadamente pontua o autor, “processos construtivos de solução de disputas – graças à validação de sentimentos e à linguagem ordinária dos participantes – sendo, pois, método; e integra, por outro lado, uma metodologia interdisciplinar que engloba o direito positivo, na medida em que se buscam, mediante procedimentos colaborativos, soluções jurídicas com pretensão de validade”.
Em outras palavras, a mediação tem servido de significativo avanço metodológico, diante das atuais relações interpessoais conflituosas, para dirimir os dissensos.
Lado outro, é significante igualmente, no contexto atual, que a mediação também se apresenta como instituto jurídico. A institucionalização da mediação como prática de resolução não adversarial e adequada de conflitos, nas esferas da prevenção de litígios judiciais ou de solução processual das demandas, surge com as Leis 13.105/2015 (Código de Processo Civil) e 13.140/2015 (Lei de Mediação), evidenciando o quanto a mediação tem relevo como instrumento científico, cooperativo e psicorrelacional, para além do jurídico, no seu espaço próprio de tratamento das questões conflitivas.
Carlos Eduardo de Vasconcelos é um permanente construtor de mudanças paradigmáticas, quando, desde há muito, se colocou entusiasta das técnicas de mediação, sob a então égide normativa de ser “lícito aos interessados prevenirem ou terminarem o litígio mediante concessões mútuas”, tal como preconizava o art. 1.025 do Código Civil de 1916 (atual art. 840 do CC/2002). Assim, presidiu o Centro de Mediação e Arbitragem de Pernambuco – CEMAPE (2000-2004), integra o Conselho Nacional das Instituições de Mediação e Arbitragem – CONIMA, realizou programas de mediação comunitária, desenvolvendo políticas públicas de pacificação social mediante práticas restaurativas (2005-2006) e, sobretudo, tem ele a cátedra do ensino da mediação em instituições universitárias e na sua vida profissional.
Podemos afirmar que a sua expertise, por habilidades e conhecimentos no tema, não apenas o credencia como um reconhecido especialista em matéria de mediação mas também importa sobretudo no aperfeiçoamento da própria mediação como instituto e prática.
A sua obra é o testemunho desse aprimoramento valorativo que ele consagra ao tempo que seus estudos aqui desenvolvidos trespassam a teorização jurídica e interdisciplinar da mediação para o âmbito de sua operacionalidade com a indicação de diversos métodos de soluções consensuais perante a observação casuística de conflitos.
Mais ainda, o autor faz primoroso estudo analítico diante de um novo paradigma do sistema multiportas (multidoor courthouse), de resolução de conflitos (Frank Sander, 1979) quando, com minudência científica, oferece observações pontuais às disposições do novo Código de Processo Civil e da Lei de Mediação, bem como apresenta o quadro comparativo entre os referidos dispositivos. Assinalamos, nesse enfoque, o percuciente cenário que a obra descortina em face da edição das recentes leis, para efeito de uma melhor dimensão experienciada das inovações legais.
Mas não é só, estabelecer um inafastável diálogo entre uma justiça conciliativa, cujos fundamentos estão nos primeiros estudos, no país, de Ada Pellegrini Grinover (2007), e uma advocacia colaborativa, instituto recente, de origem americana, é outro dos méritos da obra aqui apresentada. A metodologia colaborativa também evoca o princípio de cooperação, oriundo do direito europeu e constante do novo CPC (art. 6º), tudo conforme mudanças de paradigmas que convergem como meios de interesse social e público a formar soluções pacificadoras para uma justa aplicação de direitos, dentro ou fora dos processos judiciais.
A mediação é, indubitavelmente, forma condizente de tratar posições antagônicas, com o elevado espírito de definir a solução final, preponderando a ética, a lealdade, a boa-fé objetiva, como gestora dos consensos.
De fato, o autor sinaliza a postura urgente de, “ao lidarmos construtivamente com os conflitos sociais, abrimos a porta para um diálogo apreciativo de alternativas importantes ao processo de mudança”. Com efetividade, aprendemos, então, com a sua obra, os ferramentais de uma cultura de paz, para uma gestão mediadora dissuasória de conflitos e interacional de resultados úteis à “construção de consensos”.
Podemos afirmar, sem exagero, que as relações multiplexas de uma sociedade agudizada por inúmeros conflitos, notadamente na pós-modernidade, exigem que a mediação seja adotada como a melhor alternativa e mais imediata de recontextualizá-los e superá-los. Em bom rigor, tem sido assim: os diversos modelos de mediação contribuem, por seus métodos e escolas, a superar divergências, enfrentar emoções e resolver os conflitos e as pessoas.
A mediação consagrada pelos artigos 165 e 694 do Código de Processo Civil tem a sua aplicação dinâmica e conforme, merecendo o instituto essa valiosa obra oferecida à inteligência jurídica nacional. Carlos Eduardo é um culto artesão de técnicas, modelos e especificidades do emprego da mediação, porquanto seus estudos são extremamente necessários à elevada importância que a mediação vem emprestando à resolução adequada dos conflitos.
Vale a pena sublinhar os conflitos de relacionamentos, cujos interesses são imateriais, a saber, ocorridos nos âmbitos tratados pelas Leis 11.340/2006 (Violência de Gênero) e 12.138/2010 (Alienação Parental), em que a mediação assume, em todas as vertentes, uma função libertadora/transformadora, dissipando os conflitos ali exacerbados por nocividade de condutas.
No mais, quando estruturada uma política judiciária nacional para o tratamento adequado e satisfatório de conflitos, a partir da Resolução 125/2010 do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), sobretudo em garantia do legítimo direito à ordem jurídica justa, retenhamos, por aviso ético, que a mediação se apresenta como mecanismo indutor de pacificação social, objetivo maior da jurisdição ótima.
Diremos, portanto, que, tratando-se a mediação de metassíntese de uma jurisdição de resultados, esta obra é um tratado pleno de sua efetivação. Afinal, a negociação dos interesses em disputa não apenas importa aos figurantes do composto litigioso, mas atende, antes e relevantemente, aos reclamos de uma sociedade mais harmônica.
O autor traz, assim, a sua importante contribuição, quando produz uma obra indispensável a servir como elemento decisivo para a melhor gestão de conflitos e a recomposição do equilíbrio nas relações interpessoais.
Entendida a mediação como um eficaz método dialogado, em alternativa de solução adequada ao conflito, contempla-se aqui, também, um eficaz diálogo do autor com o seu leitor, ministrando ensinanças à eficiência da mediação para a obtenção de seus resultados.
Com esta obra de estudos avançados, uma excelente transação.
Jones Figueirêdo Alves
Desembargador do Tribunal de Justiça de Pernambuco (1999-) e magistrado de carreira (1975-). Mestre em Direito Civil pela Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa (FDUL), com a qualificação de Excelente. É o atual diretor-geral da Escola Judicial do TJPE (gestão 2018-2020). Membro da Academia Brasileira de Direito Civil (ABDC). Foi assessor convocado da Comissão Especial de Reforma do Código Civil na Câmara Federal (2000/2001) e coautor da primeira obra doutrinária no tema: Novo Código Civil Comentado (Editora Saraiva, 10. ed.). Integrou missão humanitária da Organização das Nações Unidas (ONU) em Moçambique, na África, sobre Administração da Justiça (2003), em companhia do autor da presente obra. Presidiu o TJPE (2008-2010). É autor de diversas obras jurídicas sobre processo Civil e Direito Civil. Integra a Academia Pernambucana de Letras Jurídicas, o Instituto dos Advogados de São Paulo (IASP) e o Instituto dos Advogados de Pernambuco (IAP). Tem diversos cursos internacionais, entre eles: no Goethe Universität Frankfurt am Main (DE), na Fordham Law School (EUA), no Institute of Advanced Legal Studies, da University of London (RU), no Institute of Continuing Judicial Education of the School of Law, na University of Georgia, Athens, Geórgia (EUA), e na Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa (PT).